Os argumentos da TVE serão aplicáveis à situação portuguesa para a não transmissão de corridas? Ou a situação é diferente e exige soluções diferentes?
RESPOSTA À PRIMEIRA PARTE DA QUESTÃO -
“Os argumentos da TVE serão aplicáveis à situação portuguesa para a não transmissão de corridas?”
Caro Sr. Provedor,
A TVE deixou de emitir corridas de touros em 2006 (1) devido aos elevados custos de cada tourada e (2) por algumas serem passadas em horário em que as crianças ainda vêem televisão.
(Vide1.ºparágrafo http://www.dn.pt/inicio/tv/interior.aspxcontent_id=1726967&seccao=Televis%E3o)
(1) Se o argumento dos elevados custos se deve aplicar, ou não, à situação portuguesa: Nunca tivemos acesso a dados que nos permitam saber qual é o reflexo da transmissão de corridas de touros nas contas da RTP (esses dados existem?), mas tudo nos leva a crer que as touradas as prejudicam. Que deduzir numa situação em que a RTP, não só transmite touradas, como também as promove e co-organiza nos moldes em que o faz? Nesta perspectiva, parece-nos sensato, principalmente no momento que o nosso país atravessa, que caso estes dados não existam, ou se saiba que a transmissão e/ou a promoção e organização de touradas dá prejuízo à entidade, se eliminem imediatamente todas as despesas relacionados com uma actividade que divide a sociedade portuguesa e tem sido alvo de tanta contestação: a tauromaquia. (Não significa isto que se deva manter a transmissão de corridas de touros caso os custos não sejam elevados, mas apenas que se as corridas de touros estiverem a dar prejuízo, ou menos lucro do que transmissão doutros programas, este pode ser mais um argumento contra a transmissão de touradas.)
(2) Se o argumento de algumas touradas serem passadas em horário em que as crianças vêem televisão se deve aplicar, ou não, à situação portuguesa:
À primeira vista, tendo em conta que, actualmente, em Portugal, as touradas costumam ser transmitidas a partir das 22:30, pode até parecer que não. Mas todos sabemos que no nosso país, principalmente no Verão, há um número muito significativo de crianças que apenas deixam de ver televisão muito depois dessa hora. Se até nas praças de touros podemos encontrar, entre as 22:30 e as 24:00, muitas crianças (basta vermos imagens da mais recente corrida de touros na Nazaré, em que se fizeram grandes planos de várias, algumas com idades inferiores 6 anos, com entrevistas incluídas), não podemos de maneira nenhuma assumir que não existem muitas crianças portuguesas a assistir a touradas pela televisão. Ora, se até já houve, em 2008, numa altura em que esta estação chegava ao cúmulo de emitir touradas à tarde, uma juíza que, na sequência duma providência cautelar interposta contra a RTP - considerou provado que a tourada é um “programa violento, susceptível de influenciar negativamente a construção e o desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes, dessensibilizando-as relativamente ao exercício da violência contra, e ao sofrimento dos, outros, em particular dos animais” -, sabendo-se que as crianças em Portugal assistem a corridas de touros até mesmo em horário nocturno, é claro que o argumento de que as touradas são transmitidas em horário em que as crianças vêem televisão pode, e deve, ser utilizado como um dos que justificam o fim da transmissão televisiva de touradas.
RESPOSTA À SEGUNDA PARTE DA QUESTÃO -
“Ou a situação é diferente e exige soluções diferentes? “
A maior diferença entre as duas situações é que a RTP, além de, à semelhança do que a TVE fazia até 2006, transmitir espectáculos tauromáquicos, vai ainda mais longe, envolvendo-se fortemente na promoção e organização de touradas e outras actividades tauromáquicas e tomando partido a favor de uma actividade cruel e tão repudiada em Portugal, beneficiando - vergonhosamente – a indústria tauromáquica. O MÍNIMO QUE SE DEVE EXIGIR À RTP é que comece por ser imparcial e que, por exemplo, numa fase, como a que corresponde aos últimos dois anos, em que cada vez mais telespectadores criticam a sua postura, não responda com a transmissão de ainda maior número de espectáculos tauromáquicos em 2011 do que em 2010.
Quando a RTP entender que deve deixar de transmitir espectáculos tauromáquicos pode utilizar vários argumentos, além dos utilizados pela TVE, como sejam:
- As Corridas de Touros são espectáculos de violência gratuita e, ao transmiti-las, está a apresentar programas susceptíveis de prejudicar manifesta, séria e gravemente a livre formação da personalidade de crianças e adolescentes;
- Os espectáculos tauromáquicos, além de dividirem a sociedade portuguesa, incomodam profundamente uma percentagem de portugueses que não pode ser ignorada, nomeadamente por uma estação que pertence ao Estado Português;
- Enquanto concessionária do serviço público de televisão, tem obrigações que vão muito para além de uma dimensão jurídica e por isso a sua actuação deve estar, também, enquadrada numa dimensão ética e comportamental irrepreensível, devendo, como tal, rejeitar a transmissão de touradas (e outras actividades tauromáquicas), que são espectáculos medievais bárbaros e decadentes, e reger-se por valores éticos e civilizacionais modernos - nos quais o respeito pelos animais se inclui;
- Etc.
Com os melhores cumprimentos,
MARINHENSES ANTI-TOURADAS