terça-feira, 15 de setembro de 2020

Carta Aberta aos Senhores Deputados do Grupo Parlamentar do PSD – Iniciativa Legislativa de Cidadãs/os “Fim dos Subsídios Públicos à Tauromaquia”

Exmo./a. Sr./Sra. Deputado/a,

Os nossos respeitosos cumprimentos. 

Na qualidade de subscritores, a título individual, e apoiantes, enquanto movimento cívico, da Iniciativa Legislativa de Cidadãs/os “Fim dos Subsídios Públicos à Tauromaquia”, lançada pela Associação Animal e discutida na Assembleia da República no passado mês de Julho, solicitamos a V. Exa. a melhor atenção para a presente missiva. Esta comunicação resulta de uma total perplexidade e indignação perante o facto do tema em apreço ter sido abordado pela bancada do PSD, na Assembleia da República, em termos não consentâneos com a elevação e conhecimento de causa que se esperaria dos representantes do povo. A saber:

 

1. No dia 7 de Julho de 2020, no âmbito da discussão sobre o Fim dos Subsídios Públicos à Tauromaquia (ponto 7 da Ordem de Trabalhos da Assembleia da República), a Sra. Deputada do PSD Fernanda Velez discursou sobre o tema, aparentemente, em nome de todo o grupo parlamentar do PSD. Começou por dizer que, citamos, O Grupo Parlamentar do PSD respeita a diversidade de opiniões, mas entende que estamos perante um conjunto de argumentos que não corresponde à realidade dos factos” (https://www.youtube.com/watch?v=4rwOAbUSb7Q);

 

2. No referido discurso, numa vã tentativa de demonstrar que é falso que “A tauromaquia é uma indústria que tem vindo a perder público, ao longo das últimas décadas” (projecto de lei n.º 1236/XIII/4.ª (cidadãos), exposição de motivos), a senhora deputada demonstrou incompetência na análise dos dados disponíveis (ver, por favor, o anexo a esta missiva);

 

3. Para tentar demonstrar que, ao contrário do que é dito na exposição de motivos do projecto de lei citado no ponto anterior, não há oposição crescente à tauromaquia, revelou-se incapaz de apresentar dados completos e rigorosos, produzindo conclusões simplistas com base em informação parcial, recorrendo inclusive a resultados de uma sondagem encomendada, pasme-se, pela Federação PróToiro. Seria interessante que algum deputado do PSD perguntasse à senhora deputada que, aparentemente, falou em nome de todos, como pode concluir, por exemplo, que “as transmissões de touradas na RTP são líderes de audiência”, frase rematada com a estranha conclusão de que “revelam um forte apoio dos portugueses a este setor cultural”, quando se sabe que o processo mais volumoso de queixas que existe na RTP é precisamente o que regista opiniões contra as touradas;

 

4. Quanto aos apoios públicos à tauromaquia, disse a senhora deputada que, citamos, “Se existe actividade cultural que não é apoiada pelo Estado é exactamente a tauromaquia que não recebe qualquer apoio do Ministério da Cultura (...) Pontualmente alguns municípios apoiam actividades tauromáquicas”. Parece-nos importante lembrar que um dos apoios à tauromaquia é, precisamente, ser tutelada pelo Ministério da Cultura e existir uma secção especializada permanente de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, e que dinheiros públicos são dinheiros públicos, sejam atribuídos por que via forem à tauromaquia. 

 

5. Por fim, para um Grupo Parlamentar que começou por afirmar que “respeita a diversidade de opiniões”, parece-nos de uma enorme falta de respeito terminar um discurso sobre uma Iniciativa legislativa de cidadãos (ILC) que pede o fim dos subsídios públicos à tauromaquia com um “Olé”. Revela, entre outras coisas, uma grande falta de consideração pelos mais de 25 mil cidadãos eleitores que subscreveram a ILC em questão, exercendo um direito nos termos do artigo 167.º da Constituição – cidadãos eleitores entre os quais estarão até certamente alguns que, através dos seus respectivos votos, contribuíram para que deputados do grupo parlamentar do PSD façam parte da composição da Assembleia da República. 

 

Gratos pela atenção dispensada, fica o convite para que V. Exa. dedique a devida atenção também ao anexo desta missiva, 

Marinhenses Anti-touradas

https://www.facebook.com/antitouradas

https://mgranti-touradas.blogspot.com

  

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Anexo

 

A ESTRANHA CONTESTAÇÃO PELO PSD AO IDENTIFICADO COMO “PRIMEIRO ARGUMENTO - A TAUROMAQUIA É UMA INDÚSTRIA QUE TEM VINDO A PERDER PÚBLICO, AO LONGO DAS ÚLTIMAS DÉCADAS”  

 

Transcrição do que disse neste âmbito a Senhora Deputada Fernanda Velez após ter afirmado que “estamos perante um conjunto de argumentos que não corresponde à realidade dos factos”:

 

“1.º Argumento: A tauromaquia é uma indústria que tem vindo a perder público ao longo das últimas décadas. Os dados que constam do Relatório de Actividade Tauromáquica da IGAC relativos a 2019, referem exactamente o contrário: [1] Registou-se um aumento das corridas de touros em cerca de 11%; [2] registou-se um total de 383.900 espectadores; [3] o número médio de espectadores por espectáculo foi aproximadamente de 2.200, atingindo o segundo valor mais alto da década; [4] em 2019, registou-se um aumento do número de espectadores, pelo 3.º ano consecutivo, após um decréscimo observado durante os 6 anos anteriores.” (https://www.youtube.com/watch?v=4rwOAbUSb7Q - 0:14 a 1:05)

 

Quadro resumo dos dados que constam do Relatório da Actividade Tauromáquica da IGAC relativos a 2019, retirado do relatório citado pela Senhora Deputada:

 

Quadro 1 – Análise comparativa entre 2010-2019



Fonte: Relatório da Actividade Tauromáquica 2019 da IGAC (Captura de ecrã do quadro 13, pág. 26), disponível em https://www.igac.gov.pt/documents/20178/2195368/Relatorio+Tauromaquia+2019/9a73fe95-3703-46e0-8e06-47f034adc7dc

Algumas chamadas de atenção sobre as afirmações da Senhora Deputada:

 

[1] “Registou-se um aumento das corridas de touros em cerca de 11%”

 

Entre os vários tipos de espectáculos tauromáquicos previstos no Regulamento do Espectáculo Tauromáquico (corridas de toiros, corridas mistas, novilhadas, novilhadas populares, variedades taurinas e festivais tauromáquicos), a Sra. Deputada começou por isolar as “corridas de touros” para tentar demonstrar o indemonstrável. É estranho que o tenha feito, por dois motivos: em primeiro lugar porque está a contestar um argumento (“A tauromaquia é uma indústria que tem vindo a perder público ao longo das últimas décadas”) que remete para tauromaquia em geral (e não apenas para as corridas de touros em particular), e em segundo lugar porque todas as três observações que proferiu seguidamente, feitas no âmbito da contestação do referido 1.º argumento, têm por base os dados dos espectáculos tauromáquicos como um todo, e não os que se referem apenas às corridas de touros.

 

Se a senhora deputada tivesse isolado, por exemplo, as corridas mistas (nas quais se pratica toureio a cavalo bem como toureio a pé), teria de admitir que se registou um decréscimo no número de corridas mistas. Foi um decréscimo de 73% de 2010 para 2019 e de 46% de 2018 para 2019. 

 

Se a escolha tivesse recaído, por exemplo, sobre os festivais tauromáquicos (que são semelhantes ora às corridas mistas ora às corridas de touros), a senhora deputada teria de admitir que se registou um decréscimo no número de festivais tauromáquicos. Foi um decréscimo de 66% de 2010 para 2019 e de 13% de 2018 para 2019.

 

Como a senhora deputada escolheu as corridas de touros, conseguiu indicar um dos três aumentos (contra seis diminuições) verificados na última década neste tipo de espectáculo tauromáquico: um aumento de cerca de 11% (10,7%) – que se verificou de 2018 para 2019, embora a senhora deputada não tenha especificado o período de tempo a que se estava a referir, dizendo apenas: “Registou-se um aumento das corridas de touros em cerca de 11%”.

 

A este propósito, das corridas de touros, importa perceber que houve um descréscimo no número deste tipo de espectáculos de 31% de 2010 para 2019, que desde 2011 até 2017 se verificaram diminuições sucessivas, ano após ano, e que, por a diminuição ter sido algo significativa em 2017, houve realmente um pequeno aumento no número de corridas de touros de 2017 para 2018 e de 2018 para 2019, ficando, ainda assim, o número de corridas de touros de 2019 abaixo do de 2016 (bem como dos de 2015, 2014, 2013, 2012, 2011 e 2010). 

 

Atentando na evolução, ao longo da última década, do número de espectáculos tauromáquicos como um todo (todos os licenciados pela IGAC, realizados em praças de touros), ressaltam os factos seguintes:

 

- Entre 2010 e 2018, o número de espectáculos tauromáquicos foi diminuindo, ano após ano;

 

- Em 2019, realizou-se mais um espectáculo tauromáquico do que em 2018;

 

- O decréscimo no número de espectáculos tauromáquicos de 2010 (301 espectáculos realizados) para 2019 (174 espectáculos realizados) foi de 42%;

 

- O único aumento do número de espectáculos tauromáquicos verificado na última década foi de 0,58%, ao passar-se de 173 espectáculos realizados em 2018 para os 174 espectáculos realizados em 2019.

 

Em suma, seja o que for que se enfatize, ao longo da última década houve claramente uma diminuição quer do número de corridas de touros, quer do número de praticamente todas as outras tipologias de espectáculos tauromáquicos, quer do número de total de espectáculos tauromáquicos. O gráfico que se segue, que teve por base os dados do Relatório da IGAC referido pela senhora deputada que podem ser consultados no quadro 1 supra, é elucidativo.

 



Figura 1 – Espectáculos tauromáquicos realizados: Análise comparativa entre 2010-2019, com base nos dados apresentados no quadro 1 

 

Se se tivesse trazido para esta análise também os anos anteriores a 2010, contatar-se-ia que a diminuição do número de espectáculos tauromáquicos foi bastante mais acentuada do que aquela aqui representada no gráfico supra.

 

[2] “Registou-se um total de 383.900 espectadores”

 

Pode verificar-se que, na realidade, de acordo com o quadro 1, o número de espectadores de espectáculos tauromáquicos foi de 383.938 em 2019, com até mais 38 espectadores do que a senhora deputada referiu (um número de espectadores muito inferior ao de modalidades de espectáculos públicos ao vivo como os concertos de música, o teatro, os espectáculos multidisciplinares, os espectáculos de variedades, o folclore, a dança e outras).

 

Deixe-se, desde já, uma nota para esclarecer que “o número de espetadores é apurado por estimativa de ocupação através da verificação efetuada pelos Delegados Técnicos Tauromáquicos com base na lotação definida pela IGAC para as praças fixas e a lotação padrão de 1200 lugares para as praças ambulantes.” (página 14 do já referido relatório). Voltar-se-á a esta questão mais à frente no ponto 4.

 

[3] “O número médio de espectadores por espectáculo [em 2019] foi aproximadamente de 2.200, atingindo o segundo valor mais alto da década.”

 

Os dados expostos no quadro 1 revelam que o número médio de espectadores por espectáculo, em 2019, foi de 2.207. Ou seja, foi até ligeiramente superior ao mencionado pela senhora deputada. 

 

Na verdade, de acordo com os dados exibidos na linha “Média de Espetadores por Espetáculo” do quadro 1 acima, este número médio de espectadores foi, conforme referiu a senhora deputada, o segundo mais alto da década. Mas se quisermos ser rigorosos, não foi o segundo, mas sim o terceiro mais alto da década. Aplicando o mesmo grau de arredondamento para todos os anos, designadamente o escolhido pela IGAC para o ano de 2019, não foi só em 2010 que a média de espectadores foi superior à de 2019. Aconteceu o mesmo em 2011 (609.052 espectadores/274 espectáculos = 2.223). Segue-se um quadro (Quadro 2) que é um excerto do quadro da autoria da IGAC (Quadro 1), complementado por uma linha adicional “Média de Espetadores por Espetáculo - corrigida”, na qual se pode verificar que, ao contrário do que afirmou a senhora deputada, o número médio de espectadores por espectáculo não atingiu [em 2019] o segundo valor mais alto da década.

 

Quadro 2 – Excerto do quadro 1 (Análise Comparativa entre 2010-2019) e Média de Espectadores por Espectáculo Corrigida




*Média de Espetadores por Espetáculo - corrigida: valores arredondados à unidade, aplicando para todos os anos o mesmo grau e as mesmas regras de arredondamento, optando pelas escolhidas pela IGAC para o ano de 2019.

 

A variação da média de espectadores por espectáculo ao longo da última década foi ligeira, de facto. Sucede que este dado é indissociável de outro, o número de espetáculos, e neste caso a quebra é notória, de 301 espetáculos em 2010 para 174 em 2019.

 

[4] Em 2019, registou-se um aumento do número de espectadores, pelo 3.º ano consecutivo, após um decréscimo observado durante os 6 anos anteriores”

 

Será que o aumento do número de espectadores registado em 2019 é significativo e real?

 

Como a senhora deputada assumiu, de acordo com os dados da IGAC, houve um decréscimo no número de espectadores de espectáculos tauromáquicos entre 2010 (681.140 espectadores) e 2016 (362.057 espectadores). Neste período de 6 anos, o número de espectadores, foi sempre diminuindo consideravelmente, ano após ano. Em 2016 foi quase metade do registado em 2010. 

 

Na verdade, após a acentuadíssima queda do número de espectadores verificada entre 2010 e 2016, houve, depois, de acordo com os dados apresentados pela IGAC, um ligeiro aumento do número de espectadores durante 3 anos consecutivos. Em 2017, registaram-se 377.952 espectadores, correspondendo-lhes, face ao ano anterior, um acréscimo de 4% (após -8% em 2016 e -6% em 2015). Em 2018, registaram-se 379.000 espectadores, correspondendo-lhes um pequeno acréscimo de 0,28% (após +4% em 2017 e -8% em 2016). Em 2019, o número de espectadores registado foi de 383.938, correspondendo-lhes um acréscimo de 1,3%.

 

Destes dados, é possível concluir que, no discurso, destacou-se o aumento de espectadores entre 2016 e 2019 (um pequeno aumento de 6%), mas ignorou-se a quebra brutal de 47% entre 2010 e 2016.

 

Além de estarem registados pequenos e pouco significativos acréscimos no número de espectadores de espectáculos tauromáquicos entre 2016 e 2019, importa que haja cautela na interpretação destes dados veiculados pela IGAC. É que, conforme referido nos relatórios da IGAC, o número de espetadores presente nos espetáculos é cálculado por estimativa, com base nos números identificados pelos Delegados Técnicos Tauromáquicos em cada espetáculo, tendo por base a simples observação direta das bancadas. Ou seja, há um elemento subjectivo no cálculo do número de espectadores.

 

Ora, quando se registam, por exemplo, mais 4938 espectadores em 2019 do que em 2018, isto significa que foram observados, em média, apenas mais 28 espectadores em cada um dos espectáculos decorridos em 2019. Não havendo contagem rigorosa do número de pessoas que entraram em cada praça ou, pelo menos, um registo do número de bilhetes vendidos e oferecidos, é altamente questionável que se produzam conclusões com base numa variação de 28 pessoas por observação direta. 

 

Perante o exposto neste ponto, pode, pois, concluir-se que não só o aumento do número de espectadores registado entre 2016 e 2019 é pouco significativo, quando comparado com a continuada e sucessiva quebra acentuada que se registou nos anos anteriores, como a evolução do número de espectadores não apresenta um grau de fiabilidade razoável.

 

Por mais que algumas pessoas queiram que o ligeiro aumento registado do número de espectadores de espectáculos tauromáquicos nos 3 últimos anos seja real e seja digno de entusiástica referência, o gráfico que se segue (que teve por base os dados do Relatório da IGAC referido pela senhora deputada que podem ser consultados no quadro 1 supra), não deixa de evidenciar o descréscimo do número de espectadores na última década. 

 

 

Obviamente que, com maior ou menor número de espectadores, as touradas deveriam deixar de ser apoiadas por razões de ordem ética. É cada vez mais inaceitável que haja alegria e festa onde é derramado sangue de vítimas inocentes.

 

Mas importa perceber que, ao contrário do que o grupo parlamentar do PSD quis fazer crer, as touradas têm efetivamente vindo a perder público na última década. Esta redução apresenta-se em sentido divergente da larga maioria das restantes modalidades de espectáculos ao vivo, que têm vindo a registar aumentos consideráveis de espectadores, ano após ano, de acordo com dados veiculados pelo Instituto Nacional de Estatística.